O tédio é a herança absoluta de toda a temática apresentada. Sua ligação com a ansiedade é mais do que evidente, criando um conflito interno de desejo de mudança em paralelo com a certeza da monotonia e falta de perspectiva no presente. O tédio é a couraça ou muro que construímos após sucessivas etapas de decepção, medo ou solidão. Não sofrer novamente é uma marca registrada de nossa época, e o único seguro para não procurarmos novas experiências frustrantes é o desânimo ou certeza subjetiva neurótica de que novamente não nos daremos bem.
A blindagem emocional novamente nos cobra um preço elevadíssimo, nos tornando áridos nos relacionamentos interpessoais; criando inclusive exigências irreais ou fantasiosas acerca de nossas amizades ou companheiros afetivos. Virou moda todos falarem que à medida que vamos envelhecendo nos tornamos mais exigentes do ponto de vista emotivo. A mentira deslavada em tal tese é a não dissecação de nosso sofrimento íntimo, assim como a total perda de uma ingenuidade que talvez fosse positiva no tocante a estar aberto às novas experiências. A loucura do “seguro”, ou busca infinita, nada mais é do que um projeto mental de pleno afastamento, medo e depressão, e racionalizamos a questão dizendo que não podemos nos contentar com qualquer coisa. Obviamente cabe a cada um estipular um patamar de desejo ou sonho de sua necessidade pessoal, devendo diagnosticar o mais breve possível se determinado encontro ou relacionamento possui realmente um futuro. O problema é que o tédio será um juiz implacável mais cedo ou tarde da continuidade do contato, dizendo que a pessoa está apelando ou não usando plenamente seus recursos; sendo uma espécie de ambição eterna contida na alma da pessoa e que passa a sabotar a sobrevivência da relação. O tédio diz ainda de alguém que não teve êxito para jogar fora seu passado ou as vivências dolorosas. A diferença em relação à monotonia é que esta última é basicamente um padrão de comportamento ou rotina; o tédio é um fechamento quase que absoluto perante novas experiências. A finalidade inconsciente é forçar um acontecimento fantástico ou supremo que retire a pessoa do protesto diário contra um mundo que lhe causou imensa angústia. Não será fácil notar que tal crença é absolutamente ilusória, sendo que a conseqüência é o fracasso pessoal perante o desejo ou o próprio sonho; são as pessoas que “procuram para não encontrar”.
O tédio é o atestado permanente da infelicidade íntima, e sua herança é uma espécie de hábito nocivo de mostrar para o maior número possível de pessoas sua condição de miserabilidade afetiva e social. Desejar a todo custo chamar à atenção para si próprio e suas mazelas psíquicas pessoais é a prova máxima de uma pessoa neurotizada e mimada, que passa a ser improdutiva emocionalmente, apenas sugando as pessoas ao seu redor. A neurose se junta plenamente ao tédio e depressão, quando sua essência é uma espécie de vírus que deseja se alastrar, recusando permanecer no inconsciente pessoal de sofrimento. O narcisismo tão bem estudado na história da psicologia também é um produto manipulável pelo âmbito negativo como estava dizendo, pois a autocomiseração é uma rotina ou estratagema para quem almeja o poder de forma invertida. A queixa sempre é o narcisismo disfarçado, ou no sentido contrário. A neurose não é fruto apenas da ausência do prazer, mas da despotência perante o coletivo que a pessoa enxerga e inveja. Muitos não conseguem viver uma experiência de infelicidade ou insatisfação sem a tentação de a transportarem para o ambiente; então resumindo tudo, o “neurótico é sempre um invasor de uma outra alma”. Necessitamos de um ser humano que não sofra calado, mas também que não despeje sempre seu ranço pessoal nas relações sociais. Ou resgatamos um sentido de coletividade ou fatalmente seremos reféns de todo um psiquismo negativo que mutilou a amizade e companheirismo. Se todos os sentimentos citados não forem devidamente trabalhados, o selo da vingança será impresso na personalidade. O ódio é basicamente um descendente cativo de todo impedimento ou repressão de determinado afeto. Não se trata do fato óbvio de que jamais poderemos realizar tudo o que desejamos, mas o ódio surge exatamente pelo oposto, quando estávamos bem próximos ou pelo menos imaginávamos estar, em relação aos nossos sonhos e anseios.